quarta-feira, 30 de março de 2016

Como anda a literatura em tempos de internet?

Segundo o escritor e ensaísta Kenneth Goldsmith, a internet está para a literatura assim como a fotografia esteve para a pintura. Diz o autor que se o advento da fotografia, ao retratar objetos com mais realismo e precisão, obrigou a pintura a partir para o abstracionismo, o surgimento da internet, ao disponibilizar uma quantidade sem precedentes de texto, obriga a literatura a repensar a si mesma. Nesse sentido, seu interessantíssimo livro Uncreative Writing defende que o conceito de “criatividade” seja algo obsoleto, assim como a noção de “autoria” – para ele não precisamos que nada mais seja criado, mas devemos aprender a usar e negociar a vasta quantidade de texto que já existe.

Kenneth Goldsmith. Foto: Charla Jones/Globe and Mail
Kenneth Goldsmith.
Foto: Charla Jones/Globe and Mail

Usar o que outros já criaram remete, é claro, à prática do remix (ou do sampler em outro termo). Depois de uma breve pesquisa descobri que houve uma onda de escrita sampler no Brasil mais ou menos entre 2009 e 2011. O site MixLit, cujo autor se apresenta como o DJ da literatura, faz uma série de posts que são nada mais que colagens de outros textos, sempre selecionando partes que se encaixam, para que no final algum sentido seja produzido. O blog objeto sim objeto não, por sua vez, fez um manifesto pelo cut & paste literário, “um texto coletivo sobre o fim do autor solitário e poderoso, um documento sobre o tempo em que as palavras e as coisas precisam se libertar do seu valor de mercado e circular livremente”.
Recentemente, o colunista Hermano Vianna também fez considerações sobre isso em sua página, ao deixar no ar a ideia de que o garoto que em 2012 copiou uma receita de miojo na redação que escreveu pro Enem seja, na verdade, um gênio da uncreative writing. Quando falamos em remix,  sampler ou copy & paste aplicados à literatura, é desse movimento – uncreative writing – que estamos tratando.
Mas ele não é o único – também existem outros movimentos que podem ser destacados. Um sucesso editorial recente foi o livro Eu me chamo Antônio, baseado na mistura de desenho e escrita que o autor publicava em sua página no Facebook. Essa mistura de letras e imagens constitui o estilo chamado de visual writing, que vem ganhando cada vez mais adeptos, como a página ex-estranhos. Esse estilo parece ser uma aproximação entre escrita e criação de memes – são textos curtos com imagens fáceis de digerir, concebidos e criados para serem compartilhados. 


O visual writing parece confirmar a frase que diz que vivemos na “Era da Imagem”, como se nos nossos tempos o texto por sí só já não fosse suficientemente atrativo. Mas pelo o que se pode ler de Kenneth Goldsmith, a verdade é o contrário. Segundo este, com a internet, a “Era da Imagem” se extinguiu, ao passo que entramos na época de “Vingança do Texto”. Isso porque o que tomamos como gráficos, sons e movimentos em nossas telas nada mais sã0 do que uma fina camada, por baixo da qual existe um mar de linguagem textual. Uma mostra disso pode ser vista a partir do seguinte experimento: vá na sua pasta de imagens, escolha qualquer uma (de preferência que não vá usar) e modifique a extensão dela de jpg para txt. Abra esse arquivo e o que você vai encontrar é puramente texto, esse que serve de base e possibilita que a imagem apareça pra você tal como ela é. Você pode modificar o texto desse arquivo, salvá-lo, e depois passá-lo para jpg novamente. Ao abrí-lo, o que você verá é outra imagem.
Além disso, todos os sites que navegamos tem como base o (textual) código HTML. Goldsmith vê, dessa maneira, a linguagem como matéria, e não apenas como produtora de sentido, o que faz com que programadores e poetas estejam, em sua visão, em pé de igualdade em nossa época, enquanto especialistas em manipulação da matéria textual.

Fontes: Deli Art

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